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A arte de abandonar livros

O segredo para ler muito e ler rápido é saber o que não ler. E saber desistir de certos livros.

E acredite em mim, eu sei o quanto isso é difícil. Nós, que amamos livros, sentimos uma espécie de obrigação moral para terminar todos os que começamos. Mesmo que a leitura seja completamente errada para nós naquele momento. A culpa toma conta, sentimos vergonha por querermos abandonar um livro. E se a leitura melhorar algumas páginas depois?

Ler deve ser uma atividade prazerosa, um entretenimento, e não uma obrigação tediosa (a não ser quando é, de fato, uma obrigação. Ignore o post nesse caso). Ainda que estejamos lendo para nos aprimorar em determinada área, se a leitura não flui bem, muito provavelmente a culpa é do livro, e não nossa. E está tudo bem. Não tem problema.

Pare de ler livros de que não gosta. Abandone leituras que considera chatas.

Não estou dizendo para abandonar qualquer leitura assim que ler algo estranho ou diferente. Alguns protagonistas são detestáveis de propósito. Alguns autores erram, falham, e algumas histórias contêm buracos. O negócio é o seguinte: se você está achando a leitura um suplício, não importa o motivo. Não existe nenhum interrogatório feito pela Polícia da Leitura. Se pra você o livro perdeu o brilho, se a leitura já não agrada, não faz sentido, se pensar em ler o livro já é motivo pra revirar os olhos, abandone a leitura. O mundo gira. Vida que segue.

Quem manda nas nossas leituras somos nós, os leitores.

O nosso tempo é limitado e há livros demais no mundo — nunca vamos conseguir ler tudo o que queremos. É literalmente (haha) impossível. Então por que nos forçamos a continuar com algo que não faz sentido?

Conquistas (ou “achievements”)

Essa era uma das principais razões para eu não abandonar os livros que não gostava: poder marcá-lo na minha lista de lidos e adicionar mais um pra coleção, como se eu fosse ganhar um prêmio por ler muito ou se o Stephen King fosse me visitar e dizer “Você é foda mesmo! Curvo-me diante da sua capacidade de leitura”, para então criar um romance onde me tortura de formas inumanas.

Ninguém se importa com o quanto você lê. Ninguém está mantendo uma planilha e espionando os livros que você termina. Eles só importam pra você.

O tempo que gastamos sofrendo pra continuar lendo algo “ruim” poderia estar sendo usado para nos divertirmos com algo que realmente gostamos, que estamos com vontade de ler.

E lembre-se que se o livro é ruim ou não só interessa pra você. Os seus motivos para abandoná-lo ou continuar a leitura, se acha que vale a pena, é que são importantes.

PS: se você usa o Goodreads para organizar e manter um registro das suas leituras, tem uma forma de manter os seus “achievements” mesmo desistindo de uma leitura. Coloque o livro abandonado como lido, mas crie uma prateleira chamada Abandonados, Desistências, DNF (did not finish), ou algo do tipo. Assim o livro some da sua lista de leituras pendentes, mas fica em uma pasta separada.

Precisamos saber o final!

Esse é outro motivo comum. A história não empolga, a escrita não é lá essas coisas, mas ainda assim ficamos curiosos pra saber a conclusão da história. Duas soluções:

  • Leia os dois últimos capítulos do livro para ver como a história termina.
  • Leia um resumo online da história, no estilo que a Wikipédia faz para livros.
  • Pergunte para alguém que já tenha lido. O Twitter pode ser um bom lugar para isso, assim como grupos do Facebook, Skoob e Goodreads.

E quem sabe se, ao conhecer o final, você fica com vontade de ler o resto pra saber como tudo aconteceu?

O livro está cumprindo o prometido?

Quando começamos uma leitura, o livro nos promete algo que precisa ser cumprido.

Talvez a promessa seja apenas algumas horas de diversão. Também pode ser algum aprendizado, ou até ter motivos sociais — para conversar com seus amigos e tornar-se imune aos spoilers ou simplesmente para poder dizer que leu o livro. Não há nada errado em querer ter lido livros considerados bons ou clássicos só pelo ato de ter lido, para se tornar bem versado, adquirir cultura, ou seja lá qual for a razão.

Mas pergunte-se: o livro está cumprindo o prometido? O investimento de tempo e energia na leitura está compensando o que estou recebendo de volta? Isso é extremamente pessoal, e só você pode dizer se a leitura vale ou não seu tempo.

O Austin Kleon resumiu bem:

Ajuda se você escolher os livros certos em primeiro lugar. Pare de ler o que você acha que deveria ler e leia o que você realmente quer ler.

Terminando o que começou

Com relação a escrita, eu definitivamente sou da opinião de terminar o que começo e não intercalar projetos nem pular para a incrível ideia nova que acabei de ter. Toda ideia nova parece incrível, e quando chegamos no meio, onde há trabalho, suor e esforço envolvido, ela já não é tão encantadora assim.

Na leitura, entretanto, eu penso diferente. Não acredito que precisemos trabalhar e sofrer para terminar algo simplesmente porque já começamos. Mais uma vez, isso vai depender dos seus motivos para ler e as razões para querer abandonar a leitura. E obviamente estou partindo do princípio de que você já é um leitor calejado de guerra, e não uma criança ainda formando a estamina e perseverança necessárias para manter o interesse em um livro até o fim.

Alguns textos são mais densos e requerem mais concentração e tempo. Isso é normal. Não quer dizer que a leitura é chata — simplesmente precisamos dar mais atenção a ela. Tudo volta à pergunta anterior: vale a pena terminar?

Desistir de uma leitura densa não significa burrice ou preguiça. Significa que não compensa o esforço.

“E se fosse um dos seus livros?”

Confesso que saber que um leitor abandonou meu livro porque o achou chato é uma situação que não me alegra, mas acontece. Não tenho como agradar todo mundo. A partir do momento que escrevo algo, já é certo que algumas pessoas vão gostar e outras não. Isso não me faz escrever de qualquer maneira — ainda assim faço o melhor que posso para criar o melhor material possível. Mas nunca vai bastar.

Então, mesmo com os meus livros, eu digo: abandone-os se não está gostando. Claro que não fico feliz com isso, mas seria ainda pior saber que estou fazendo você perder um tempo valioso da sua vida com algo que está te entediando, fazendo você se ressentir de mim e te dando vontade de fazer comigo o mesmo que o Stephen King fez com o meu personagem.

too many books, too little time

4,000

A vida é curta. Nosso tempo é limitado. Pense em quantas leituras incríveis você está perdendo enquanto se mata com uma que não gosta.

Se você viver até os 80 anos e ler um livro por semana, lerá apenas 4.000 livros durante sua vida. Isso é apenas uma pequena parte dos livros maravilhosos que existem pra você.

Se você não tiver nenhuma obrigação com a leitura, escolha com sabedoria e sem culpa com quais vai gastar suas preciosas horas. Correndo o risco de parecer pessimista, a sua leitura atual pode ser a última leitura da sua vida. Você quer mesmo que seja um livro ruim?

Não seria melhor gastar seu tempo relendo um livro que ama? Livros que valem a pena ser lidos valem a pena serem relidos.

Se a leitura estiver desgastante, chata e não cumprir o prometido, pergunte-se: existe algum motivo para continuar lendo e não buscar algo melhor nesse momento?

E repita o mantra: não vou me torturar com algo que não estou gostando.

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