Essa é uma dica de escrita que possui várias finalidades em uma história — estabelecer conceitos que serão utilizados no futuro, foreshadow (termo famosamente ilustrado pela arma de Chekhov), criar suspense, dar pistas falsas, aumentar conflito, adicionar subtramas, insinuar eventos e informações importantes, dentre outros.
Toda a analogia de plantar e colher foi algo que inventei para facilitar a explicação. Talvez você conheça essa ferramenta por outros nomes (como setup e payoff, dentre outros).
Ela possui três partes: plantando as sementes, regando as plantas e colhendo os frutos.
Plantando as sementes
As sementes nada mais são que pequenos “ganchos” ou questões plantadas durante o livro. Uma pequena informação, demonstração, diálogo, ação, ou símbolo que instiga algo maior ou mais importante. Um segredo, um poder, uma revelação. Toda a eficácia da semente está em como e quando as questões levantadas são respondidas.
Essas sementes adicionam variedade no livro. Apesar de toda história precisar de uma grande questão central — que é o enredo — se ela for a única fonte de conflito/suspense/etc, não importa o quanto seja interessante, a leitura perde a graça. O leitor enjoa.
É por isso que os livros precisam de subtramas. Romances e triângulos amorosos, por exemplo, são subtramas utilizadas em praticamente todos os gêneros.
Então plante essas pequenas sementes que levantam questões e despertam a curiosidade do leitor. O item que o personagem comprou é mesmo amaldiçoado? Por que o cachorro vive cheirando uma parte do quintal? Que barulho é esse que vem do porão toda quarta-feira de madrugada? Por que o dono do bar odeia que o chamem pelo apelido? Por que aquela personagem chora quando ouve trovões? Por que estão sequestrando crianças naquele vilarejo?
As opções são infinitas. Mas lembre-se: qualquer um pode plantar inúmeras sementes; o importante é como você vai colher os frutos.
Regando as plantas
Depois de plantar as sementes, você pode colher o fruto logo em seguida. Mas se quiser aumentar o suspense e atiçar ainda mais o interesse, regue as plantas para elas crescerem.
Insira uma nova informação, forneça outra pista, revele mais uma parte do segredo. A quantidade de água em cada planta vai depender do quanto você quer essa linha narrativa na cabeça do leitor.
Varie o quanto rega essas plantas. Plante sementes em um parágrafo e colha o fruto em outro. Colha alguns frutos somente no último capítulo. Regue algumas sementes e deixe outras secarem, lembrando o leitor delas mais à frente, de surpresa. Essa variação constante cria a impressão de que várias coisas estão acontecendo, ainda que esteja lidando com poucas sementes.
Mesmo sem conhecer essa ferramenta, é provável que você tenha plantado várias sementes pelo livro. Durante a revisão, veja quais precisam ser regadas e quais estão encharcadas. Água demais também mata as plantas.
Colhendo os frutos
Ao chegar no terceiro ato, provavelmente você terá um jardim cheio de plantas com frutos maduros. É hora de colhê-los.
Talvez você tenha deixado algumas sementes sem regar para colher os frutos agora. Ou você pode ter regado outras constantemente, instigando o leitor com algum conceito ou segredo. Colha os frutos um por um. Não deixe que eles apodreçam esquecidos no pé.
Garanta que os frutos sejam apetitosos — isto é, faça o tempo do leitor valer a pena. Você o provocou durante todo o livro, é melhor que a recompensa seja digna desse investimento. Capriche no resultado emocional dos frutos, nos twists, nas surpresas e nas mudanças que eles causam.
Quanto mais uma semente foi regada, maior deve ser a recompensa para o leitor ao colher o fruto. A colheita é o que causa impressões memoráveis durante e após a leitura.
Exemplos
Nada melhor que reforçar esse conceito de sementes e frutos com exemplos. Eu tenho dois para vocês.
Prenda-me se for capaz
Plantando a semente: Na segunda cena do filme, DiCaprio ouve o pai contar uma história. Mas DiCaprio também fica descascando o rótulo de uma garrafa de champanhe, tentando removê-lo intacto. Parece apenas uma mania do personagem, um detalhe insignificante diante da história sendo contada.
Regando a planta 1: DiCaprio descasca adesivos de aeromodelos da Pan Am para forjar cheques. A mania tornou-se habilidade.
Regando a planta 2: Quando o Tom Hanks, agente do FBI, confronta o DiCaprio em Los Angeles, DiCaprio diz que é do serviço secreto e entrega sua carteira para provar a identidade. Na hora que Hanks resolve conferir, DiCaprio já se mandou: o agente encontra apenas um monte de rótulos descascados, intactos. É o que estabelece a condição para a próxima parte.
Colhendo o fruto: Durante sua longa busca, as pistas levam Tom Hanks a um casamento, mas ele percebe que há poucas chances do fugitivo estar ali. Prestes a ir embora, Hanks nota uma garrafa de champanhe com o rótulo descascado. Ele percebe na hora que DiCaprio é o noivo e a perseguição continua.
Olha quanta coisa uma mania aparentemente insignificante do personagem, lá no começo do filme, gerou.
Limbo
Não vou dar muitos spoilers do meu livro, mas deixo aqui três vezes em que usei sementes e frutos em Limbo.
A primeira foi com Cacá. Logo no primeiro confronto entre ele e o protagonista, você pode perceber que o deus aprisionado tem algum tipo de poder dormente. Isso é levantado algumas outras vezes, mas principalmente durante o capítulo contra o anjo da morte. O fruto finalmente é colhido no capítulo Livre.
A segunda semente foi a da identidade do protagonista. Começando na conversa com Azazel, fica claro que algo está errado — o passado do espírito não é tão simples quanto ele lembra. Isso vai sendo regado até o penúltimo capítulo.
Os olhos cor de mel que aparecem nas lembranças do protagonista, talvez de um amor perdido. O fruto também só é colhido no penúltimo capítulo.
Considerações finais
- Plante sementes desde a primeira página. Não há limites para o número. Apenas tenha em mente de que terá que colher todas elas.
- Anote todas as sementes em uma planilha para facilitar sua vida. Como exemplo, abaixo estão as anotações do meu novo livro. As células riscadas têm o nome das sementes. O X indica em qual capítulo aparecem.
- Nem todas as sementes precisam ser regadas. Se for algum elemento menor, plantar e colher é o bastante.
- Colha todos os frutos até o final do livro. Duas exceções:
1. Se estiver escrevendo uma série e quiser deixar sementes plantadas para colher nos próximos volumes.
2. Se quiser deixar sementes plantadas intencionalmente para o leitor ligar as pontas com a própria imaginação.
Pode ser uma boa ideia insinuar sua intenção de alguma forma para assegurar o leitor de que você não deixou pontas soltas acidentalmente.
- Evite plantar novas sementes depois da metade do segundo ato (é uma generalização). O livro provavelmente já terá muitas questões levantadas a essa altura (se não tiver, volte e adicione sementes). Esse é o momento de começar a colher os frutos e recompensar o leitor.
- Se no terceiro ato você usou informações que não foram fornecidas antes, elas configuram um deus ex machina. Insira sementes em cenas anteriores do livro para estabelecer uma relação de causa e consequência, ou sementes e frutos. O clímax nunca pode ser resolvido por coincidências ou jogadas de sorte.
E essa é a técnica de plantar sementes e colher frutos na sua história. Vale lembrar que nada disso é regra ou obrigatório para um bom livro. O que eu cito são ferramentas que funcionam para mim. Use o que gostar, altere o que for necessário e descarte o resto. Há inúmeras maneiras de contar uma história.
O que achou? Já conhecia essa dica por outro nome? Tem alguma coisa pra acrescentar, corrigir ou sugerir? Deixa um comentário aí embaixo!
Pingback: Resumo MASTERCLASS Dan Brown: escrevendo thrillers, parte 1 - Thiago d'Evecque
Pingback: Guia de Sobrevivência ao NaNoWriMo - Thiago d'Evecque