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Estrutura narrativa simplificada: como planejar sua história em 7 partes

Minha intenção nunca é escrever sobre aspectos técnicos da escrita. Como vivo dizendo, não há regras — há guias que podem ajudá-lo a escrever e manter-se no caminho.

Hoje vou falar um pouco sobre estrutura narrativa. Essa é apenas uma versão básica, com elementos de vários outros tipos de estruturas. É voltada para iniciantes ou quem ainda não tem a menor ideia do que seja estrutura e pontos principais da trama.

Como a falta de planejamento pode nos levar à procrastinação, essa é uma boa ferramenta para delinear tramas e fugir da preguiça.

inúmeros modos de planejar uma história e organizar o enredo. Esse é apenas um deles. O monomito, ou Jornada do Herói, por exemplo, é um tipo de estrutura narrativa mais complexa. Se quiser, procure pela Jornada no Google e veja se tem mais a ver com o que quer escrever.

A estrutura não acaba com a criatividade?

A estrutura narrativa simplificada pode servir para qualquer gênero, mídia e história. Entretanto, lembre-se que é apenas uma ferramenta para lhe servir. Você não está obrigado a montar seu livro por esse esqueleto e nem segui-lo à risca. Altere os pontos onde achar melhor. Use somente os pontos que gostou mais.

Além disso, você vai ver que a estrutura raramente é seguida de acordo com o planejamento. A história pode tomar rumos diferentes do que esperávamos. Deixe isso acontecer.

Durante a escrita é quando conhecemos mais nossos personagens e entendemos melhor suas motivações e escolhas. Não force as decisões, adapte e mude os pontos da estrutura durante a escrita.

Nem todo mundo gosta de escrever com uma estrutura imposta. Muitos preferem a surpresa que vem do improviso, a descoberta da história junto com os personagens, sem mapas, sem guias. Se você já tentou estruturar antes e não gostou, tudo bem. Não há jeito certo de escrever.

Entretanto, se você acha que a estrutura engessa sua história e acaba com a criatividade, está errado. O planejamento existe apenas para te servir, e não o contrário. Você ainda vai sentir toda a surpresa da descoberta, mas durante o planejamento.

A estrutura nos dá oportunidade de expandir a história. Com a visão do todo, podemos ver o que funciona, o que não funciona, o que está faltando, o que está em excesso, o que precisa ser diferente.

No fim das contas, improviso e planejamento são meios para o mesmo fim. Escolha o que acha mais divertido e o que mais te ajuda a terminar seu livro. Se você nunca usou uma estrutura para escrever, lembre-se de tentar pelo menos uma vez. Pode fazer toda a diferença.

Mas demora horas para planejar um livro inteiro!

O tempo que você leva para estruturar a história é o mesmo tempo (ou até menos) que você vai levar para reescrevê-la ao terminar no improviso.

Sem planejamento, escrevemos no fluxo de consciência, o que vem à mente direto para a página. Precisamos gastar muito tempo ajeitando tudo, cortando, organizando a bagunça, criando algo que faça sentido. Então, os dois jeitos se equilibram no que diz respeito ao tempo. Gaste o seu reescrevendo ou planejando, no fim das contas dá no mesmo.

A estrutura

Chega de enrolação. Na estrutura simplificada, começamos pelos três atos que TODA história tem.

O Ato I, o começo. É onde estabelecemos a normalidade da vida do protagonista e preparamos tudo para o conflito.

O Ato II, o desenvolvimento. A vida do protagonista mudou e agora está cheia de conflitos crescentes.

O Ato III, a conclusão. Os conflitos escalam até um clímax onde tudo muda, especialmente o protagonista, e depois são resolvidos.

Esse é o esqueleto, mas precisamos de um pouco de carne, porque está básico demais. Vamos adicionar 7 pontos para a nossa estrutura:

ATO I

Gancho. O início de tudo. Os personagens começam no extremo oposto de onde terminam no final do livro, seja emocional, mental ou fisicamente. Você apresenta um pouco do mundo, estabelece a normalidade e as motivações e objetivos dos personagens. Prepara toda a história para os conflitos.

Virada inicial. Aqui, a vida dos personagens muda. Deve ser um evento onde não há volta. É o chamado para a aventura, onde a história realmente começa. Não precisa ter explosões, mortes nem acidentes. Uma conversa ou uma informação adquirida podem mudar o mundo do personagem.

ATO II

Ataque. O primeiro ataque, aparição ou influência do antagonista. Algo dá errado, surge uma complicação, um obstáculo é colocado no caminho. Os personagens começam a sofrer e vislumbram a dimensão dos problemas que vão enfrentar durante a aventura.

Mudança de marcha. Os personagens mudam de passivos para ativos na trama. Aprendem alguma técnica, informação ou adquirem algum objeto. A nova informação muda o modo como eles pensavam antes. Decidem parar de fugir e enfrentar o problema. Não precisa ser um evento único, pode ser algo contínuo.

Crise. O segundo ataque do antagonista. Muito maior que o primeiro, lança os personagens em uma crise onde eles perdem as esperanças. Alguém morre, o plano infalível não deu certo, o grupo sofreu uma derrota catastrófica. O antagonista triunfa de algum modo, como obtendo uma informação ou objeto que os personagens também queriam, por exemplo.

ATO III

Virada final. Os personagens conseguem a última peça do quebra-cabeça. Eles chegam ao oposto de onde começaram na história e descobrem o necessário para conseguir vencer. Estão prontos para o confronto final.

Clímax e conclusão. O clímax é a parte mais intensa da história. É o confronto final contra o antagonista e onde os personagens finalmente triunfam, alcançando seus objetivos (ou falhando). É a conclusão de todos os eventos da história, onde pontas soltas são amarradas. Os personagens e o mundo estão diferentes. Os personagens devem ser os responsáveis pelo triunfo.

Bem simples, não é? Essa estrutura pode servir para qualquer história que quiser montar.

Algumas observações:

  • Esses são apenas os pontos principais da estrutura. Acrescente tramas secundárias, histórias paralelas e o que mais achar necessário. Talvez você queira criar uma estrutura dessa para cada personagem principal do livro? Vá em frente.
  • Altere a estrutura do jeito que quiser. Inverta a ordem dos pontos. Coloque a Crise depois do Clímax e conclusão e termine o livro com uma catástrofe irremediável. Adicione outra Mudança de marcha, outra Crise e mais dois clímaxes. Você manda, a estrutura obedece.
  • Comece a escrever a estrutura fora de ordem. Tudo depende de como suas ideias surgem. Talvez você já saiba como a história termina, então comece pelo Clímax e conclusão. Ou você criou um personagem que deve morrer no final, então comece pela Crise.
  • Apesar de servir para qualquer história, não force a sua a se encaixar nessa estrutura. Talvez seu livro precise de um arquétipo completamente diferente. Se não funcionar, tudo bem, não tem problema. Tente outra estrutura.
  • E se você quiser estruturar uma série de livros em vez de apenas um? Uma sugestão é usar a estrutura simplificada em cada livro e na série como um todo.
    Você pode adicionar um prólogo antes do Gancho e um epílogo após o Clímax e conclusão, se quiser.
  • Por falar nisso, o Clímax e conclusão não precisa ser necessariamente o último capítulo do livro.

Aplicando a estrutura

Agora, para analisarmos cada ponto mais detalhadamente, vamos aplicar a estrutura a um livro e um filme: O Senhor dos Anéis: a Sociedade do Anel e Matrix.

O Senhor dos Anéis: a Sociedade do Anel

Gancho: O Condado é um lugar feliz, onde Frodo mora com seus amigos e tio. Ele é uma criatura dócil completamente alheia aos perigos do mundo. As coisas mudam quando Frodo recebe o Um Anel de Bilbo.

Virada inicial: Gandalf explica o que é o Um Anel e diz para Frodo fugir do Condado, caso contrário todo mundo que ele conhece vai morrer e o mal ficará livre pela Terra-Média. Frodo, Sam, Merry e Pippin deixam o Condado pela primeira vez sem saber se vão retornar.

Ataque: Os Nazgûl atacam o grupo dos personagens e o Rei Bruxo de Angmar perfura Frodo no ombro. Com a ajuda de Passolargo, os personagens se organizam e conseguem vencer os Nazgûl.
Mudança de marcha: A dinâmica muda com a formação da Sociedade do Anel. Passolargo revela ser Aragorn, herdeiro de Gondor. Durante a reunião do Conselho de Elrond, Frodo se oferece para levar o anel até Mordor. Sua mentalidade muda. Os personagens partem para o ataque.

Crise: O Balrog ataca o grupo em Minas Moria e Gandalf, o mais sábio da Sociedade e mentor de Frodo, cai no abismo. Tudo parece perdido. Sauron conseguiu uma vitória, ainda que indiretamente.

Virada final: Após Boromir sucumbir à tentação e ser morto pelos orcs, Frodo entende que a responsabilidade de carregar o Anel é somente dele. Todos ao seu redor estão em perigo. Merry e Pippin ajudam Frodo a fugir e são capturados.

Clímax e conclusão: Frodo aceita seu destino e parte para Mordor. O leal Sam resolve segui-lo, e os dois hobbits avançam para as entranhas do inimigo. A Sociedade se desfaz. Aragorn, Gimli e Legolas decidem ir atrás de Merry e Pippin.

Matrix

Gancho: Thomas Anderson é um hacker talentoso conhecido como Neo, mas se sente incompleto, como se algo estivesse errado com ele e com o mundo. Seu trabalho é monótono e ele não tem vida social. Até “seguir o coelho branco” e conhecer Trinity.

Virada inicial: Neo conhece o famoso terrorista Morfeu. Morfeu acredita que Neo é O Escolhido e o oferece duas pílulas: uma azul, que fará Neo esquecer os acontecimentos recentes e retornar à sua rotina insossa, e uma vermelha, que mudará sua vida irreversivelmente e o fará enxergar a verdadeira realidade. Neo escolhe a pílula vermelha e passa a conhecer a Matrix.

Ataque: Cypher conversa com os agentes e diz o seu preço para trair o grupo.

Mudança de marcha: Após a traição e morte de Cypher, Morfeu é capturado. Neo e os outros vão atrás dos agentes para libertá-lo. Durante a fuga, Neo resolve ficar e lutar contra o agente Smith. Ele começa a acreditar que é O Escolhido.

Crise: Os agentes encurralam Neo, e Smith dispara vários tiros à queima-roupa nele. Neo cai, aparentemente morto. Sem o escolhido, tudo parece perdido. No mundo real, as sentinelas se aproximam da nave, prestes a matar o resto do grupo.

Virada final: Trinity beija Neo no mundo real e manda ele acordar. Neo ressuscita e descobre que realmente é O Escolhido, capaz de ver a Matrix como ela realmente é e controlá-la, detendo tiros em pleno ar, por exemplo.

Clímax e conclusão: Neo derrota Smith e os outros agentes fogem. Morfeu liga o pulso eletromagnético da nave e destrói as sentinelas. Neo, de fato O Escolhido, começa a salvar a humanidade.

Ficou mais simples ainda, né?

Se quiser estudar estruturas narrativas mais a fundo, recomendo os livros Save the Cat! Writes a Novel, da Jessica Brody,  Structuring Your Story, da K.M. Weiland, e Story Engineering, do Larry Brooks.

Resumindo:

  • Essa estrutura simplificada serve para qualquer história. Mas lembre-se de que é apenas uma ferramenta. Modifique como achar necessário.
  • Durante a escrita, a história pode tomar rumos diferentes do planejado. Ouça os personagens.
  • Se você prefere escrever improvisando, tenta a estrutura pelo menos uma vez.
  • A estrutura contém apenas os pontos principais da história. Adicione subtramas, histórias paralelas, conflitos secundários, etc.

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