Hoje o post foi escrito pelo Eric Novello, autor de Exorcismos, Amores e uma Dose de Blues, além de outros livros. Obrigado pela participação, Eric!
Há pesadelos famintos ao nosso redor.
Tiago Boanerges é um mago nada convencional. Responsável por exorcizar oníricos fugitivos do mundo dos sonhos, viu o sucesso escorrer pelos dedos ao cometer um erro em uma missão. Demitido, sem amigos e com uma doença misteriosa, descobriu que a sorte é uma amiga traiçoeira e fugaz. Agora, anos depois de recuperar a saúde e transformar a má fama em uma profissão lucrativa, a sorte parece ter se lembrado dele mais uma vez. Uma proposta de seu antigo chefe pode ser a chance que esperava para dar a volta por cima e colocar a vida nos eixos.
Um fantasma do passado parece estar de volta a Libertà, uma metrópole que virou meca dos mais diversos seres sobrenaturais. Com o Conselho de Hórus – a agência responsável por manter esses seres sob controle – ignorando o perigo, Tiago é o exorcista ideal para conduzir a investigação. O único problema é que para isso ele terá que reativar contatos pouco amistosos, desse e de outros mundos escondidos atrás de espelhos.
Bonecos que moram em garrafas. Rastros de dragões no ar. Pactos firmados com a mentira. Velhinhas assassinas e hipsters zumbis. Estes são alguns dos elementos que fazem de Exorcismos, Amores e Uma Dose de Blues uma história estranha, assustadora e divertida. Uma viagem quase alucinógena para quem gosta de sair do lugar comum.
1) Criar um mundo fantástico exige planejamento
Esse é um item que sempre suscita debate. Na fantasia clássica, há quem passe meses criando seus mapas, continentes e oceanos, povoando-os com criaturas mitológicas, antes de desenvolver a história. Outros começam pelos personagens e vão criando seu mundo a serviço da trama e dos caminhos do protagonista. No meu caso, como a história se passa em um mundo muito parecido com o nosso, meu interesse estava mais na interação de humanos comuns com magos e seres sobrenaturais. Criaturas mais fortes como salvaxes (os meus metamorfos) exigem uma polícia também mais forte? A população gosta dessa polícia armada na rua? A existência de oníricos, os habitantes do mundo dos sonhos, muda a nossa relação com o entorno? Como é dormir sabendo que se está indo para a fronteira de outro mundo? Haveria preconceitos contra quem é capaz de fazer magia? E contra quem se relaciona com esses seres diferentes?
Passar um dia ou dois levantando essas perguntas e alguns meses respondendo-as pode evitar muitos problemas mais adiante, no decorrer da escrita.
2) Assuma suas inspirações, mas fuja do pastiche
Essa dica é quase uma pegadinha, porque existem pastiches legais, que são justamente os assumidos. Mas o que quero dizer é que todos nós temos inspirações. Nosso trabalho irá dialogar com outros trabalhos existentes, sejam filmes, livros, jogos, HQs… E quanto mais cultura você adquire, quanto mais se lê, se ouve, se joga, mais essa teia de referências se amplia. EADB tem muito de Constantine/Hellblazer e Sandman, embora eu tenha lido as HQs há mais de dez anos. Bons trabalhos plantam sementes no nosso caldeirão criativo e, mais cedo ou mais tarde, acabam germinando. Ao mesmo tempo, é importante fugir do ctrl c + ctrl v. Tive uma fase de leitor compulsivo de fantasia urbana e demorei um bocado para afastar esses textos do meu processo criativo. A fantasia urbana tem uma linguagem muito própria, geralmente mistura o clima de investigação com humor, e eu não queria criar um repeteco disso, por mais que adore o estilo como leitor. EADB tem uma pegada mais reflexiva, um tom melancólico, e só depois de muitas tentativas consegui escrever algo realmente distante dessa combinação. O que me ajudou nesse processo foi a música.
3) Música pode ajudar a dar o tom do seu texto
Sejamos sinceros. Hoje em dia são poucos os autores que conseguem tirar 4 horas seguidas para escrever. Às vezes você está no meio de uma cena e precisa parar para resolver um problema de trabalho, ir falar com a mãe, levar o papagaio para passear. Toda aquela atmosfera que você criou, aquele estado de espírito, desaparece ao primeiro toque do telefone. No dia seguinte, ao voltar à cena, você se sente perdido. Como retomar o clima perfeito? Uma dica é o uso de música. A música nem precisa ter a ver com a cena em si, ela funciona como uma mensagem subliminar, um código de ativação por hipnose, que te ajuda a retomar o clima da noite anterior. No caso do EADB, a trilha foi o blues, obviamente. De início, me propus um desafio: escrever todas as cenas passadas na cidade de Libertà com blues tocando ao fundo. Mas como passei 4 anos escrevendo uma história, uma hora tive de parar para não acabar enjoando de um dos meus estilos favoritos.
O blues me ajudou inclusive a criar a atmosfera noir do livro, a trabalhar a camada subjetiva do EADB, que talvez seja mais importante que a própria história. Só tomem cuidado com o seguinte: dizer no meio do texto que a música tal começou a tocar não transmite necessariamente a emoção da música para o leitor. Na literatura, a brincadeira é outra.
4) Siga seu coração, não a lista dos mais vendidos
Esse aprendizado é bastante óbvio, mas faço questão de repeti-lo. Não lute contra si para se adequar ao mercado. Geralmente quem faz isso cria um produto vazio. Não é que você não deva ou não possa seguir uma tendência, afinal, todo mundo quer ter sucesso. Mas a sua história precisa ter algo seu, algo realmente verdadeiro que independe de gêneros e best-sellers.
5) Quando estiver achando tudo ruim, tome um café
É inevitável. Em algum momento do processo de escrita, você abrirá o seu arquivo e achará tudo ruim. Terá uma vontade de enxugá-lo até que sobrem apenas as vírgulas e os pontos finais. É verdade, adjetivos e advérbios poluem para caramba o texto e devem ser usados com parcimônia. Mas tenha cuidado com os extremos!
Nesses momentos de cansaço, de autocrítica exagerada ou de falta de sintonia com seu próprio trabalho, você pode acabar enxugando coisa demais. Ainda mais se o livro for muito grande e você passar um tempo longo trabalhando nele. Acreditem, falo por experiência própria. Nessas horas em que seu Jason interior quer cortar tudo que vê pela frente, o melhor é fechar o arquivo e dar uma volta, sair para tomar um café. Se você não toma café, faça como eu e coma um chocolate! Seu livro e sua sanidade agradecem.
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